Série
de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em
inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob
Bell e
sua equipe.
(http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito
e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com
autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais
ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização
expressa do autor e do tradutor.
Revisado
por Felipe Epprecht Douverny e Fernanda Votta Epprecht.
Publicado
em português simultaneamente nos seguintes endereços:
Parte
21. No Ar, No Mar
Alguns
de vocês perguntaram sobre inerrância.
Se você não está familiarizado com essa palavra, é uma palavra
que alguns usam para argumentar que a Bíblia não contém erros. Nos
próximos dias vou escrever sobre a ideia de que a Bíblia é a
palavra de Deus, inspirada e autoritativa, mas hoje, inerrância.
Meu
filho de 13 anos está atualmente fazendo um programa de educação
que exige dele ouvir uma certa quantidade de música clássica a cada
dia. Então, no caminho para a escola todas as manhãs em vez de
ouvir o nosso habitual Blink 182 e rap, ele escuta ... Mozart. Não
foi a sua primeira escolha, mas recentemente ele admitiu que tem
gostado cada vez mais de música clássica. (Como é que um pai não
sorri diante isso?).
Algumas
perguntas, então, sobre Mozart:
Será
que a música de Mozart ganhou?
Você
diria que a obra de Mozart está no topo?
Mozart
é o MVP?
Em
sua opinião, Mozart prevaleceu?
As
músicas de Mozart ganham o prêmio?
Perguntas
estranhas, certo?
Elas
são estranhas porque não é assim que você pensa sobre a música
de Mozart. Elas são as categorias erradas.
Por
quê?
Porque
o que você faz com a música de Mozart é escutá-la e gostar dela.
O
que nos leva à inerrância: não é uma categoria útil. E se você
tivesse ouvido falar de Mozart como aquele que ganhou, esses
argumentos provavelmente impediriam você de realmente ouvir e
apreciar Mozart.
Em
primeiro lugar, essa não é uma palavra que a Bíblia usa sobre si
mesma.
Você pode imaginar perguntar ao apóstolo Paulo se a carta que ele
estava escrevendo era inerrante? É importante não impor sobre a
Bíblia categorias que a própria Bíblia não reconhece. Os
escritores falam sobre a palavra de Deus e inspiração, sobre o
sopro de Deus e autoridade, mas eles não mencionam inerrância.
Os escritores da Bíblia falam é sobre como os acontecimentos que se
desenrolam na história humana real revelam um Deus que age no mundo.
Eles estão interessados em que os seus leitores vejam esse movimento
e encontrem vida nele.
Em
segundo lugar, esse não é o livro que temos.
O que temos é uma biblioteca de livros escritos por um número de
pessoas num longo período de tempo. Às vezes eles são a favor do
divórcio, às vezes eles são contra. Um diz que Jesus era de
Nazaré, outro de Belém. Em um lugar está escrito que o destino dos
indivíduos está predestinado, em outro todo mundo é livre para
escolher. Um diz que Davi pagou X por um pedaço de terra, outro diz
que ele pagou Y. Uma história começa com Deus levando Davi a fazer
alguma coisa, outro conta a mesma história e diz que Satanás o
levou a fazê-lo.
A
lista é longa .
Algumas
dessas diferenças / contradições são facilmente resolvíveis - um
relato foi escrito anteriormente, refletindo essa moeda ou maneira de
pensar ou mentalidade, enquanto o relato conflitante foi escrito mais
tarde, refletindo a mudança de pensamento que havia ocorrido entre
os dois relatos.
Às
vezes, o escritor tem uma agenda e está trabalhando em um estilo
particular e relatando os eventos de seu tempo de tal maneira, que
nós simplesmente não podemos entender o que exatamente está
acontecendo no momento em que ele escreve.
Outras
vezes temos suposições sobre a história e como ela é registrada
que não são compartilhadas pelo escritor e por isso as estamos
lendo e tentando descobrir como eles erraram tanto, quando na verdade
eles não estavam escrevendo com essa intenção especial em primeiro
lugar. (Acreditava-se que o imperador César, no final de sua vida,
ascendeu aos céus para sentar-se à direita dos deuses - é por isso
que Lucas termina seu livro com Jesus subindo aos céus? ... Para
onde Jesus foi? Para o céu? Porque nós já enviamos naves espaciais
até lá e ninguém o viu! Haha. Assumimos que Lucas está escrevendo
os detalhes reais do que aconteceu, mas quando você volta e percebe
que Lucas quer que seu público veja Jesus
como Senhor, e não César, então a maneira como ele descreve Jesus
ascendendo começa a fazer mais sentido. Nós, modernos, gostamos
quando a história é precisa em relação a tempos e datas e fatos
reais. É por isso que ainda estamos fascinados com o assassinato de
Kennedy - parece que não temos todos os fatos exatos. Mas escritores
antigos tinham objetivos diferentes - Lucas não está tentando nos
enganar, ele está contando uma história da forma como as pessoas de
seu tempo contavam histórias ... ) Mas, por mais que você lide com
as estranhezas da Bíblia, se você negá-las ou evitá-las ou agir
como se fossem facilmente descartáveis, as pessoas vão fechar suas
mentes ou vão parar de ler.
É
assim com você?
Ou
você adota a linha do partido, o que significa que você tem que
deixar o seu intelecto na porta,
ou
você
cai fora?
O
que me leva a um terceiro ponto - inerrância e argumentos
semelhantes têm uma capacidade extraordinária de afastar as pessoas
da Bíblia.
Eu
já vi isso inúmeras vezes,
você
também.
Não
se trata de Mozart ganhar, é sobre Mozart ser experimentado pelo som
bonito que ele faz. O uso de categorias inúteis sempre vai se voltar
contra você. É possível usar tantas palavras e argumentos com
relação à Bíblia que as pessoas ficam realmente vacinadas contra
seu poder e beleza.
O
que me leva ao quarto ponto, que começa com uma pergunta:
Você
já aderiu totalmente à teoria das cordas?
Será
que ela molda as decisões que você faz todos os dias – desde o
que você compra, até como você come e a sua opinião sobre
multiversos e como você reagiu ao último episódio de Breaking Bad?
Provavelmente
não.
Mas
e se a teoria das cordas se provar verdadeira? E se realmente
descrever o modo como as coisas são – e então as suas implicações
moldarem o comportamento humano de inúmeras maneiras? E se a teoria
das cordas tornar-se a forma como vemos o mundo? (Lembre-se, houve um
momento em que as pessoas perceberam que a Terra era redonda. Outra
hora eles perceberam que a Terra não era o centro do universo.
Depois, foi a constatação de que, apesar de serem invisíveis,
germes são reais).
Agora,
vamos imaginar que essa revolução das cordas aconteça – ela vai
negar tudo o que se disse e se fez antes? Será que vamos ler suas
mensagens de tumblr antes de se tornar um cordista como o resto de
nós e desacreditá-lo? Não, não vamos.
Por
quê? Porque você é uma pessoa real, e tudo o que faz e diz vem
através de sua muito real humanidade, com suas paixões e sonhos,
pensamentos e perspectivas limitadas, e julgamentos precipitados e
tudo o mais que faz de você, você. O
poder da Bíblia não vem de evitar o que ela é, mas abraçar o que
ela é. Livros escritos por pessoas reais, finitas, limitadas, e
falhas.
Pessoas reais, que vivem em lugares reais, em épocas reais. E não é
apenas a sua visão de mundo limitada - uma das afirmações
repetidas pelos escritores bíblicos é que nós, como seres humanos,
somos pecadores, desde a história de Adão e Eva até o fim, com o
Apóstolo Paulo escrevendo sobre como todos nós temos ficado aquém
... nós temos a capacidade tremenda de bagunçar tudo. E a Bíblia
chega até nós por meio desses mesmos tipos de seres humanos.
Em
quinto lugar, então, ao defender a inerrância se defende um tipo
diferente de biblioteca de livros, uma biblioteca que não temos.
É importante crescer, evoluir e amadurecer. O fundamental para a
maturidade é o discernimento, o reconhecimento crescente de que a
realidade não é tão limpa e arrumada e simples como gostaríamos.
Inerrância é uma falha em crescer na reflexão sobre a Bíblia. O
que temos é uma coleção de histórias e poemas e cartas e contos e
evangelhos fascinante, bagunçada, imprevisível, às vezes
impressionantemente bela, outras vezes visceralmente repulsiva, que
reflete a crescente convicção de que somos importantes, que tudo
está conectado e que a história humana está indo para algum lugar.
Como
já escrevi antes, para apreciar plenamente a Bíblia, você deve
deixá-la ser o que é. E quando você faz isso, você descobre que
ela é cheia de vida e surpresa.
O
que me leva a uma última pergunta: se
algo extraordinário e real e convincente está acontecendo na
história humana, de que outra forma poderia ser escrito?
Ou,
dito de outra forma: Quando
se trata da Bíblia, o que você estava esperando?
Ou,
dito de outra forma: De onde é que as pessoas tiraram a ideia de que
inerrante é a forma mais elevada de verdade?
Mozart
é inerrante?
O
pôr do sol é inerrante?
Será
que o amor entre você e a pessoa por quem você está apaixonado é
inerrante?
A
melhor refeição que você já comeu é inerrante?
Em
matemática, é ótimo não ter erros,
o
mesmo acontece na criação de um carro ou na construção de uma
casa que você não quer que entre em colapso, mas a Bíblia tem a
ver com Significado. Esperança. Coragem. Inspiração. Alegria.
Redenção.
A
Bíblia tem a ver com a música.
Música
que você não analisa ou discute,
música
que você ouve.
E
desfruta.
Próximo:
O que é a Bíblia? Parte 22 – A Palavra de Deus, Baby.