Série
de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em
inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe.
(http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito
e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com
autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais
ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização
expressa do autor e do tradutor.
Revisado
por Felipe Epprecht Douverny, Thabata Basler Epprecht e Fernanda
Votta Epprecht.
Publicado
em português simultaneamente nos seguintes endereços:
Parte
16. Incômodo
Tudo
bem, nós estamos na 16ª parte desta série, e estamos apenas
começando.
Hoje
eu vou começar com uma história que nos ajudará a pensar sobre
materialidade, inspiração e revelação…
Há
alguns anos atrás eu escrevi um livro chamado “O Amor Vence”
(Love Wins). Por incrível que possa parecer, todos os que leram o
livro realmente gostaram (por favor, diga-me que você está
rindo*...).
Por
volta da época em que o livro foi lançado, tive uma conversa com um
pastor bem conhecido que tem muitos seguidores, que queria falar
comigo devido a algumas preocupações referentes ao livro ( eu
aprendi que ter “preocupações” é o que líderes da igreja
dizem quando estão realmente irritados ... ). Devo acrescentar que
eu não faço auto pesquisas no google ou sequer leio comentários,
críticas ou blogs, portanto eu não fazia ideia do que esperar).
Começamos a conversar e ele logo começou a fazer perguntas.
Rapidamente notei que sempre que eu ia dizer algo bom sobre Deus, ele
imediatamente rebatia com algo violento e terrível a respeito de
Deus.
Por
exemplo, eu poderia dizer que:
Jesus
falou sobre a renovação de todas as coisas
E
então ele iria combater com:
“Mas
Deus pode decidir acabar com toda a aldeia como no livro de Juízes.”
Esse
tipo de coisa.
Tudo
o que eu disse ele respondeu com um versículo ou história da Bíblia
sobre quão cruel e punitivo Deus pode decidir ser - incluindo sua
insistência contínua de que Deus pode simplesmente decidir enviar
todos para queimar no inferno para sempre, pois a humanidade merece.
Quando eu salientei que: “se Deus é assim, capaz de decidir sobre
toda a humanidade, então não poderia Deus decidir não enviar todos
para queimar para sempre no inferno?” Se Deus é aleatório - como
este pastor continuava insistindo - por que sempre tem que ser
horrivelmente aleatório? Deus não pode ir para ambos os lados da
aleatoriedade? Por que não é um aleatório bom? Não é desse Deus
que Jesus falou? Aquele que dá o mesmo pagamento para quem trabalha
menos horas e convida os perdedores para as festas... (Na verdade,
esse é o ponto de Jesus! Muitas e muitas vezes esse é o seu ponto!
Deus não dá o que as pessoas merecem...).
Ao
que esse pastor inevitavelmente retrucaria com algo sobre como você
não pode confiar nessetipo de história por causa de... e então ele
citaria algo brutal do Velho Testamento.
Se
você está imaginando que foi uma conversa incômoda,
realmente foi.
Fomos
e voltamos desse modo por um tempo, até que me dei conta do que
estava acontecendo entre nós e disse:
Eu
não leio a Bíblia como uma linha reta. Eu não vejo todas as
passagens da Bíblia igualmente colocadas lado a lado para que você
possa escolher uma e, em seguida, confrontá-la com outra e ir e
voltar sem parar, sempre te conduzindo para a aleatoriedade de Deus.
Leio como uma história se desenrolando, como um arco, uma
trajetória, um movimento e impulso como todas as grandes histórias
têm. Há partes mais antigas na história, e há partes posteriores
na história. A história caminha para algum lugar e, sendo cristão,
vejo que ela se dirige até Jesus. Por causa disso, eu a leio
através das lentes de Jesus, especialmente as partes que vêm antes
das partes especificas sobre Jesus.
Ele
disse que não fazia idéia do que eu estava falando.
Ai!
Então,
vamos revisar:
A
Bíblia foi escrita por pessoas.
Pessoas
que escreveram coisas durante um longo período de tempo.
Essas
coisas que eles escreveram, algumas das quais começaram como
tradição oral, gradualmente tomaram forma como a biblioteca que
conhecemos como Bíblia. Livros foram deixados de fora, os escritos
foram editados, coisas foram adicionadas, decisões foram tomadas
sobre quais livros pertenciam ou não e, por fim a biblioteca de
livros que sabemos ser a Bíblia passou a ser A BÍBLIA.
Essas
coisas que eles escreveram refletiam o modo como viam o mundo em seu
tempo e em seus contextos. As histórias contadas e as explicações
dadas para como e por que as coisas aconteceram daquele modo foram
filtradas através de sua consciência particular.
Quando
você lê a Bíblia, então, você está lendo o desdobramento de uma
narrativa que reflete uma consciência humana em crescimento e
expansão. Quando você a lê como uma história se desenrolando
você não edita os dados anteriores ou finge que eles não estão
lá, você lê à luz de onde a história está indo. Isso não
significa que os dados anteriores são ruins ou sem valor, eles são
apenas anteriores. É assim que as pessoas entendiam as coisas
naquele ponto da história, mas a história continuou. (Graças a
Deus).
É
por isso, meus amigos, que vocês se encolhem durante os sermões em
que o pregador lê uma história horrível na Bíblia e, em seguida,
tenta explicar isso de uma maneira que fique todo mundo enroscado.
O
pregador, naquele momento, está tratando a Bíblia como um
relato
estático
Ao
invés da
Narrativa
em desdobramento
Que
ela é.
Quando
você a entende como um relato estático, então você está
constantemente tendo que defender Deus e explicar por que Deus não é
tão mal e cruel como esse Deus parece claramente ser. Você está
eternamente tentando conciliar as partes anteriores da história com
partes posteriores, tentando fazê-las ficar lado a lado em uma
superfície plana, como iguais. Isso deixa você atrofiado,
promovendo o literalismo empolado que rouba dessas histórias sua
vida. É estranho, e pouco convincente, e é por isso que muitas e
muitas pessoas não se sentem bem com sermões assim. (A propósito,
há um fluxo interminável de artigos, pesquisas e colunas sobre a
diminuição da frequência à igreja que raramente ou nunca fala
sobre a consciência, que é a verdadeira razão pela qual as pessoas
não vão à igreja. Eles deixaram a consciência tribal / violenta /
mágica / mítica e, assim, percebem esses sermões, ensinamentos e
modos de ver o mundo como um retrocesso... ).
Por
diversos motivos, a Bíblia surge da história humana real,
refletindo as pessoas falhas, brilhantes, frustrantes, que contaram
histórias e escreveram esses livros. Ela reflete o crescimento,
amadurecimento e a expansão de perspectivas - muito parecido com um
indivíduo que cresce e amadurece. Você está orgulhoso de tudo que
você já disse? Existem coisas que você disse ou fez que se
ouvíssemos e víssemos agora você ficaria envergonhado?
Claro.
Então,
por que nos surpreender quando nesse registro extremamente humano que
chamamos a Bíblia, há partes que são chocantes e repugnantes?
Eles
refletem partes anteriores da história.
E
partes anteriores da história são muitas vezes assim.
(O
que levanta questões sobre as muitas maneiras em que ainda não
progredimos no mundo moderno, repetindo algumas das mesmas
deformidades e caminhos tortos. Mas nós ainda chegaremos neste
assunto).
Deus
tem este hábito engraçado de usar pessoas reais para revelar a Sua
palavra. E as pessoas, sendo como são, têm agendas e perspectivas,
uma consciência particular. As pessoas tomam decisões de deixar
coisas e de incluir coisas que não estavam lá antes, e na formação
da Bíblia pessoas decidiram o que Deus disse e não disse...
Essa
é a Bíblia.
Não
importa o quão divina, inspirada ou reveladora acreditemos que ela
é, nós só vamos chegar lá se começarmos com a humanidade desse
livro. Se você começar por aí, pode encontrar alguma coisa divina,
mas somente se você começar por aí…
*
Nota de tradução: o livro Love Wins provocou uma tremenda
discussão no meio evangélico e cristão norte-americano chagando a
ser o autor acusado de herege e universalista (linha teológica que
prega a salvação de todos os seres humanos independemente de sua
aceitação ou não de Jesus Cristo como o Salvador).